COTIDIANO
Supremo pede que Procuradoria investigue genro de Ayres Britto
Joaquim Roriz teria negociado com genro de ministro do STF. Objetivo seria impedir Ayres Britto de votar contra ex-governador.
Publicado em 01/10/2010 às 19:51
Do G1
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, encaminhou nesta sexta-feira (1º) pedido à Procuradoria Geral da República para que seja investigada a denúncia de uma negociação entre o advogado Adriano Borges, genro do ministro do STF Carlos Ayres Britto, e o ex-governador Joaquim Roriz.
Roriz teria negociado com Borges a participação dele na banca de advogados que o defenderia no julgamento sobre a validade da Lei da Ficha Limpa nas eleições deste ano. A contratação do genro de Ayres Britto provocaria o impedimento do ministro do STF, devido ao parentesco. Se Ayres Britto não tivesse participado da votação, o resultado do julgamento poderia ter sido diferente.
Um vídeo gravado no dia 3 de setembro mostra uma conversa entre Roriz e Borges, na qual o ex-governador expõe o objetivo de impedir a participação de Ayres Britto no julgamento.
Ayres Britto foi nomeado relator do caso em 15 de setembro. O julgamento ocorreu nos dias 22 e 23 de setembro e Ayres Britto votou contra o interesse de Roriz.
O placar terminou em 5 a 5, sem o STF declarar um resultado. Se Ayres Britto não tivesse votado, o julgamento poderia ter terminado em 5 a 4 em favor de Roriz.
No dia seguinte ao julgamento, sem a vitória no STF, Roriz renunciou à candidatura pelo PSC ao governo do Distrito Federal.
Pedido de investigação
O requerimento do STF ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, foi feito a pedido de Ayres Britto, que se referiu ao episódio como “atos supostamente ilícitos relacionados a processos” do Supremo.
Durante parte do vídeo, que tem duração de 1 hora e 11 minutos, Roriz e Borges entram em uma sala e iniciam uma conversa. Roriz só aparece entrando na sala. Depois disso, ele senta em uma cadeira, mas não aparece mais na imagem. Borges aparece o tempo todo de costas, supostamente conversando com o ex-governador. No áudio, uma das vozes seria a de Roriz.
De acordo com o vídeo, Roriz perguntou: "Eu gostaria da sinceridade sobre o voto do seu sogro". Após balbuciar palavras desconexas, Borges responde: "Com isso aí ele não vai participar. Tá impedido". Roriz continua: "Então é o êxito". E o advogado responde: "É um êxito de certa forma". O ex-governador afirma: "Com isso, eu ganho folgado".
Durante a conversa gravada, Borges fala sobre honorários e diz que já havia contratado uma equipe para trabalhar no processo. Na gravação, Adriano Borges sugere um valor de R$ 4,5 milhões pelos serviços. Roriz disse que não tinha tal quantia e que não havia possibilidade de pagar o que o advogado pedia.
No final da conversa, Roriz oferece R$ 1 milhão para que Borges apenas conste na lista de seus advogados. Não houve acordo porque o genro de Ayres Britto insistiu em ser o principal advogado da ação. Estando na lista ou assinando como defensor principal, a sua atuação levaria Ayres Britto a se declarar impedido. Em um caso anterior semelhante com o genro no Supremo, ele havia procedido desta forma.
Barrado pela Justiça Eleitoral, com base na Lei da Ficha Limpa, Roriz recorreu ao STF, questionando a aplicação da lei nestas eleições. No julgamento do recurso, Ayres Brito votou a favor da aplicação da Lei da Ficha Limpa e contra a liberação do registro de Roriz. O resultado do julgamento foi um empate em 5 a 5, que fez Roriz desistir de sua candidatura e indicar sua mulher, Weslian Roriz, como substituta na chapa.
O que dizem Ayres Britto e Borges
O ministro disse ao G1 que, para ele, o genro “entrou numa armadilha sem perceber”. Ayres Britto afirmou que Borges jamais assinou contrato ou recebeu dinheiro de Roriz. Ainda segundo o ministro, o genro teria sido procurado pelos advogados da coligação “Esperança Renovada” para atuar no caso, mas não teria aceitado a proposta ao perceber o interesse no impedimento do sogro.
“Tudo isso foi para tirar da causa um juiz honrado, estudioso, independente e imparcial. Infelizmente, o Adriano percebeu muito tarde a manobra. É possível que isso seja vingança, revanchismo, porque eu julguei contra ele. Estou ótimo com minha consciência. A biografia de uma pessoa não se constrói num estalar de olhos”, disse o ministro do STF.
Adriano Borges negou que tenha negociado o impedimento ou o voto do sogro. Ele diz que foi pego de surpresa com a proposta de Roriz de apenas participar da causa sem trabalhar.
Disse que Roriz ofereceu R$ 1 milhão somente para que ele colocasse o nome como advogado da causa. Ele afirmou ter respondido que queria R$ 1,5 milhão, mas para trabalhar.
Disse que já atuou no TSE , que não há problema com o grau de parentesco. Afirmou que sabia que, se assumisse a causa, o Ayres estaria impedido, mas disse que não há impedimento para o advogado e sim para o juiz.
"Vejo isso como algo absolutamente normal. Existe uma independência muito grande entre eu, Adriano, advogado, e o ministro Ayres Britto. É uma questão de respeito. Eles armaram uma grande arapuca."
"Sabe onde que foi que eu errei? Foi quando aceitei cogitar analisar esse caso", disse.
O que dizem os advogados ligados a Roriz
O advogado da coligação pela qual Roriz era candidato, Eladio Carneiro, negou que Adriano Borges tenha sido sondado para trabalhar na causa. Segundo Carneiro, Adriano teria procurado a coligação e o candidato para oferecer seus serviços.
“Ele [Adriano Borges] ofereceu os serviços dele, prometeu fazer a peça do recurso, mas ele e o governador [Roriz] não acordaram nos valores”, disse Eladio Carneiro. Ele afirmou ainda que esteve na casa do genro de Ayres Britto, em Brasília, mas teria sido convidado para discutir questões técnicas do processo.
Eládio confirmou também que Adriano Borges chegou a ser cadastrado no TSE como advogado do caso Roriz, mas a procuração foi cancelada no mesmo dia da gravação dos vídeos.
Ao advogado da coligação, o genro do ministro teria encaminhado, às 17h56, do dia 1º de setembro, e-mail – à cuja cópia o G1 teve acesso – informando os próprios dados e os da mulher, Adriele Pinheiro Reis Ayres de Britto, filha do ministro do STF, para “subestabelecimento”. Isso quer dizer que os dados serviriam para que os advogados da coligação pudessem incluir Adriano e Adriele no caso.
“Favor encaminhar ao Governador, pois é necessária uma reunião para explicarmos a estratégia e colocá-lo a par acerca dos colaboradores envolvidos”, teria escrito Adriano Borges no e-mail.
O advogado que defendeu Roriz no STF, Pedro Gordilho, disse que ao saber da negociação com o genro do ministro, afirmou que não continuaria no caso se Borges fosse contratado. Em mensagem enviada pelo celular ao sócio e também advogado da banca que trabalhou no caso, Alberto Pavie, Gordilho reforçou a posição contrária à entrada de Borges na causa.
“Pavie está me falando de uma procuração que teria sido outorgada ao Dr. Adriano. Esse assunto já havia sido explicitamente repudiado por mim. Peço que o tema seja sepultado definitivamente. Não podemos trabalhar com tal expediente incondizente com nossa tradição”, teria escrito Gordilho em mensagem ao sócio.
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