VIDA URBANA
Nova substância tem ação que inibe a dor
Substância extraída de algas marinhas pode reduzir percepção da dor e possui menos contraindicações que a Dipirona, segundo pesquisadores.
Publicado em 11/08/2013 às 6:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 15:55
Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) encontrou uma substância, extraída de algas marinhas do Litoral paraibano, que atua na redução da capacidade de perceber a dor, cuja ação é considerada superior à da Dipirona, já que oferece menos contraindicações. A descoberta da nova essência faz parte de um projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que busca substâncias bioativas e farmacológicas em organismos marinhos. A substância já foi patenteada.
Segundo um dos pesquisadores, o biólogo e professor doutor em Oceanografia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) George Miranda, objetivo geral do projeto é buscar nos organismos de origem marinha, substâncias importantes para a sociedade, sejam elas bioativas ou farmacológicas.
“Os organismos marinhos são uma fronteira pouco estudada, do ponto de vista de atividades biológicas e farmacológicas, mas que oferecem muitas possibilidades de encontrar substâncias inéditas para a ciência, diferente dos organismos de origem terrestre, que na prática, sempre foram uma fonte mais fácil de ser prospectada. Então, a busca nos organismos marinhos, que do ponto de vista evolutivo são muito mais antigos do que os organismos terrestres, podem resultar na descoberta de substâncias inéditas e muito interessantes”, explicou.
Conforme George Miranda, os pesquisadores da UFPB já estudaram em torno de 20 espécies, e em uma delas foi encontrada a substância que inibe a dor. No entanto, ele ressaltou que as possibilidades de encontrar novas substâncias ainda não se esgotaram. “São muitas as possibilidades de substâncias que podem ter atividades, mas, dessas, já temos pelo menos uma patente produzida de uma substância com atividade contra dor e anti-inflamatória e várias outras em estudos, algumas ainda inéditas para a sociedade e ainda com potencial de trabalho de pesquisa muito grande”, enfatizou.
“A substância que encontramos com atividades contra dor, que chamamos de antinociceptiva, é comparada, por exemplo com o modelo Dipirona, mas que tem uma atividade várias vezes superior ao do medicamento e com uma vantagem na redução da resposta de contraindicações, isso, lógico, testado em cobaias”, completou.
Mas alguns cuidados são tomados para que a coleta de algas marinhas não seja excessiva a ponto de extinguir a espécie, como explicou o fármaco, professor doutor da UFPB e também coordenador do projeto, João Maria Barbosa Filho. “Até o presente momento, a molécula mais promissora isolada pelo grupo foi a Caulerpina, um alcaloide bisindólico com propriedades semelhantes à Dipirona, segundo os testes realizados com animais de laboratório. No entanto, iniciamos um projeto para sintetizar a caulerpina, ou seja, a partir da síntese não precisamos coletar a alga marinha, pois requer muito trabalho, o rendimento não é alto e ainda contribuirmos para evitar a extinção da mesma”, observou.
João Barbosa ressaltou que como nas universidades são desenvolvidas a parte acadêmica de ensino e pesquisa, após a conclusão dos estudos os resultados devem ser encaminhados para fins comerciais. “Com os estudos concluídos, normalmente, os resultados são transferidos para uma indústria farmacêutica interessada na sua comercialização, atendendo os interesses das universidades envolvidas e os órgãos de fomento federais que subsidiaram a pesquisa, além dos pesquisadores diretamente envolvidos na patente da substância”, frisou.
Entretanto, “não dá para prever quando a população terá acesso à substância através dos medicamentos, pois após concluídos todos os testes pré-clínicos (com animais de laboratório), se faz necessário realizar os testes clínicos envolvendo seres humanos.
Por isso a síntese será de grande importância, já que na fase clínica irá precisar de grande quantidade da substância”, concluiu.
PRODUTOS MARINHOS SÃO FONTES TERAPÊUTICAS
“Os produtos de origem marinha já representam uma promissora fonte de substâncias com finalidades terapêuticas, com alguns produtos já aprovados para uso humano (como alguns com atividade analgésica e antitumoral) e centenas de substâncias em fases variadas de ensaios clínicos”, a afirmação é do professor doutor e fármaco João Maria Barbosa Filho.
Segundo ele, os produtos naturais de origem marinha com atividade biológica começaram a ser explorados de forma sistemática, relativamente recente, se comparados aos produtos naturais de origem terrestre. “Entretanto, de forma análoga (proporcional) ao que aconteceu com os produtos naturais de origem terrestre, que direta ou indiretamente - através de modificação molecular ou semi-síntese, representam uma parcela significativa de todo o arsenal terapêutico disponível, os de origem marinha já correspondem uma variada fonte de substâncias terapêuticas”, afirmou.
De acordo com o fármaco, a variedade estrutural destas substâncias é surpreendente, e elas representam uma fonte ainda pouco explorada de diversidade molecular, que certamente deverá levar ao desenvolvimento de novos medicamentos como analgésicos, antitumorais, antibióticos e anti-inflamatórios.
João Barbosa ressaltou que um aspecto ainda menos explorado na área de bioprospecção de produtos naturais de origem marinha é o impacto das mudanças climáticas sobre o perfil de substâncias produzidas pelos diversos organismos marinhos.
“Este é um fator importante a ser considerado, uma vez que situações de estresse, entre estes o estresse térmico, são sabidamente indutoras da síntese de metabólitos especiais, e que as mudanças no ambiente marinho decorrentes de ações antrópicas podem ter um efeito profundo sobre a biodiversidade marinha”, destacou.
Ao finalizar, o pesquisador disse que o Brasil é um país que tem despertado recentemente para a necessidade de indução de pesquisas na área de biotecnologia marinha, e o Comitê Executivo para Levantamento e Avaliação do Potencial Biotecnológico da Biodiversidade Marinha (Biomar), no seu Plano Nacional de Trabalho (PNT-Biomar) estabelece como uma das áreas a serem priorizadas o desenvolvimento de fármacos, medicamentos e kits diagnósticos. “Para isto, faz-se necessário um maior conhecimento da quimiotaxonomia (classificação baseada na presença e concentração de componentes químicos específicos) dos organismos marinhos ao nosso alcance, o isolamento de novos produtos naturais e a avaliação de sua atividade biológica”, concluiu.
ESTUDO DAS ALGAS TEVE INÍCIO EM 2006
O estudo farmacoquímico das algas do Litoral paraibano começou em 2006, a partir do projeto Rede Interinstitucional de Algas Marinhas, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com investimentos de R$ 730 mil, segundo o biólogo e professor doutor em oceanografia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) George Miranda.
Segundo ele, atualmente a equipe de estudos está participando do grupo Mar - Ambientes Tropicais do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCt), que é uma evolução do primeiro projeto e que foi aprovado no início do ano passado, com um projeto de bioprospecção de produtos naturais de origem marinha, que é um método de localizar, avaliar e explorar sistemática e legalmente a diversidade de vida existente em determinado local, tendo como objetivo a busca de recursos genéticos e bioquímicos para fins comerciais. “Esse projeto tem duração de três anos e o valor total do projeto é de R$ 15 milhões, com investimentos do CNPq, sendo que o grupo que participa aqui na Paraíba, tem um financiamento de R$ 960 mil.
Na UFPB temos uma média de 20 pesquisadores envolvidos no projeto INCt-Mar, ainda com potencial de crescimento, pois esses pesquisadores envolvem alunos de mestrado e doutorado nos seus trabalhos, então como se trata de um projeto para três anos, esse número pode aumentar”, observou.
Além de catalogar mais de 100 espécies de algas marinhas, o projeto INCt-Mar já resultou em diversas publicações científicas e na formação de alunos de graduação, mestrado e doutorado, segundo o professor doutor George Miranda. “Antes, os mestrados e doutorados de produtos naturais trabalhavam exclusivamente com plantas terrestres, mas algumas moléculas não são encontradas nessas espécies e as algas possuem condições de estudar esses componentes podendo trazer moléculas inéditas para a ciência, com um leque maior de possibilidades de atividades”, destacou.
“Nosso objetivo é ampliar o espectro de espécies estudadas, bem como aprofundar o estudo da bioatividade de substâncias advindas destes organismos incluindo além das algas as esponjas marinhas. Somos 42 pesquisadores, sendo professores doutores das Universidades Federais de Alagoas, Bahia, Pernambuco e Paraíba, sendo esta última a responsável pela coordenação do projeto. Esse projeto também é financiado pelo CNPq, que beneficia o grupo de pesquisa da UFPB com R$ 929 mil”, completou.
O oceanógrafo ressaltou que o Litoral paraibano tem rica diversidade de macroalgas marinhas, com mais de 170 espécies catalogadas, cujo potencial farmacoquímico destes organismos é pouco conhecido. “Cerca de 20 espécies já foram estudadas, entretanto o maior legado do projeto foi o desenvolvimento de uma linha de pesquisas em produtos naturais de organismos marinhos, como as algas e esponjas, realizado na UFPB. É muito grande a perspectiva de encontrarmos novas substâncias com atividade biológica importante para a sociedade”, finalizou.
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