VIDA URBANA
Pesquisa da UFPB tenta envelhecer vinho com madeiras da Caatinga paraibana
Engenheiro está por trás de experimento que troca carvalho por madeiras do NE.
Publicado em 09/02/2020 às 18:06 | Atualizado em 10/02/2020 às 10:37
Uma pesquisa de doutorado em andamento na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) tenta envelhecer vinho com madeiras proveniente da Caatinga e assim criar um produto totalmente nordestino, com características 100% locais e que só poderá ser encontrado na região.
O responsável pela pesquisa é o engenheiro florestal Itaragil Marinho, pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da UFPB. Segundo ele, o objetivo é introduzir valor, dar um sentido mais nobre à madeira nativa da Caatinga.
E, como o objetivo final é entregar ao consumidor um vinho totalmente regional, a pesquisa está sendo realizada a partir de um convênio com uma vinícola do Vale do São Francisco, localizada no município pernambucano de Lagoa Grande, que é vizinho de Petrolina e fica às margens do Rio São Francisco. A vinícola repassou de forma gratuita 200 litros de vinho para a pesquisa, que hoje estão armazenados no Laboratório de Biologia da UFPB.
“Aquela região, no coração do Sertão nordestino, vem se notabilizando por produzir vinho de altíssima qualidade. E queremos colaborar com isso, dando a possibilidade deste produto ser envelhecido em barris de madeiras de nossa própria região”, comentou Itaragil.
O desafio é enorme. O vinho é mundialmente consagrado por ser envelhecido em barris de carvalho, mas a ideia é propor alternativas para isso. Permitindo, de quebra, o enobrecimento da Caatinga, um bioma que praticamente só existe no Nordeste brasileiro. Para se ter uma ideia, o pesquisador explica que 90% do território paraibano é em região de Caatinga.
“Queremos fechar um ciclo. O Nordeste já produz bons vinhos. E agora queremos envelhecê-lo com uma madeira da própria região”, destacou.
Apesar das dificuldades típicas de uma grande empreitada, os passos até o produto final já começaram a ser dados. Ainda em 2019, o pesquisador conversou com técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Emprapa) do Semiárido, sediada em Petrolina. A partir da empresa, iniciaram diálogos com algumas vinícolas até que o convênio foi firmado com a Rio Sol.
O vinho, do tipo tinto e seco, chegou à UFPB em dezembro e lá foi armazenado em barris. Metade foi colocada em barris de amburama, cuja madeira foi retirada do município de Diamante, nas proximidades de Itaporanga; metade colocada em barris de craibeira, cuja madeira foi retirada do município de Santa Luzia. Na mesma época, na vinícola localizada no interior pernambucano, a mesma quantidade de vinho foi colocada em barris tradicionais, feitos de carvalho.
“A ideia é fazer uma comparação do vinho que já é envelhecido normalmente pelo mercado com o vinho envelhecido pelas madeiras da Caatinga para ver que diferenças, que qualidades, o vinho proposto pela pesquisa tem a oferecer”, explicou.
Itaragil Marinho disse ainda que as duas madeiras foram escolhidas por serem brancas, muito parecidas com o carvalho, mas com mais extrativos. “A expectativa é que isso pode interferir positivamente no sabor. Agregando ainda por cima compostos benéficos à saúde”.
O vinho será envelhecido por um ano, de forma que só em dezembro ele estará pronto. A cada quatro meses, contudo, haverá a retirada de amostras laboratoriais para analisar a evolução dos compostos bioativos e antioxidantes do produto. O primeiro desses ciclos, pois, deve acontecer no início de abril.
Está previsto também uma sessão de degustação em dezembro, ao fim de todo o trabalho, reunindo especialistas e consumidores comuns para provarem o resultado final de todo o processo. É a parte do que o pesquisador chama de “análise sensorial” dos vinhos envelhecidos em barris feitos com as duas madeiras nativas paraibanas. “Queremos com isso dar um indicativo para a indústria de vinho sobre a qualidade do produto envelhecido na UFPB, sempre comparando com o que a indústria já faz e já oferece ao mercado consumidor. E, quem sabe, introduzir a Caatinga neste nicho econômico”.
As possibilidades são imensas. Além do diferencial de se produzir um tipo de vinho apenas possível no Nordeste brasileiro, detentor exclusivo no mundo do que a Caatinga tem a oferecer, existe o próprio mercado de fabricação de barris, algo que o pesquisador diz ser possível a partir de um trabalho de manejo sustentável da Caatinga.
Afinal, o Brasil hoje importa milhões de dólares anuais em barris de carvalho vindos da França, dos Estados Unidos e do Chile. E, se a pesquisa resultar em respostas positivas, os barris com madeira da Caatinga pode explorar ao menos parte deste nicho.
Tanto é que algumas instituições percebem as possibilidades econômicas do empreendimento. A pesquisa, portanto, é financiada pelo Instituto Humanize e pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FunBio). "Vencemos um edital e recebemos uma bolsa dessas instituições", finalizou o pesquisador.
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