Calvário: processos na Justiça Eleitoral elevam risco de impunidade, diz porta-voz da Transparência Internacional

De acordo com Guilherme France, esse cenário pode ser visto “nas estruturas mais altas da sociedade brasileira, em que há um nível de impunidade alarmante”, enquanto as classes mais pobres e vulneráveis sofrem com repressão estatal, violência policial e abusos do sistema de Justiça.

Guilherme France, coordenador de Pesquisa da Transparência Internacional Foto: Alex Ferreira / Câmara dos Deputados

A jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de remeter para a Justiça Eleitoral processos envolvendo casos de crimes comuns que tenham conexão com crimes eleitorais, aumenta o risco de impunidade no país, de acordo com a Transparência Internacional. Na semana passada, o processo envolvendo a Operação Calvário, na Paraíba, teve esse mesmo caminho.

Em entrevista concedida à CBN Paraíba, para o Dia Internacional de Combate a Corrupção, celebrado neste sábado (09), o gerente do Centro de Conhecimento Anticorrupção da Transparência Internacional no Brasil, Guilherme France, disse que casos remetidos para a Justiça Eleitoral “não avançam de maneira satisfatória”, já que a estrutura dos tribunais eleitorais não está preparada lidar com casos complexos.

A gente tem que ficar muito atento para as repercussões que isso pode ter em termos de aprofundar um cenário de impunidade estrutural no Brasil, especialmente para as classes mais altas, afirmou.

O cenário pode ser agravado, de acordo com o porta-voz, “nas estruturas mais altas da sociedade brasileira, em que há um nível de impunidade alarmante”, enquanto as classes socialmente mais pobres e vulneráveis sofrem com repressão estatal, violência policial e abusos do sistema de Justiça.

Capacidade da Justiça Eleitoral

Na avaliação de Guilherme, esse agravamento da impunidade não será causado por uma vontade ou desleixo da Justiça Eleitoral no julgamento desses crimes, mas em razão de que casos como o da “Calvário” deveriam continuar sendo tratados em varas especializadas, já que demandam esforço maior no curso do processo.

A Justiça Eleitoral realiza um trabalho muito importante do ponto de vista administrativo, de estabelecer e realizar as eleições, de maneira rápida e segura, mas sua competência judicial enfrenta questões da estrutura, que não se compara com a experiência e a estrutura que as varas especializadas já desenvolveram no país, explicou.

De acordo com Guilherme, a falta de dedicação exclusiva dos membros da Justiça Eleitoral e o nível de conhecimento de seus integrantes acerca dos crimes de corrupção são fatores que limitam as chances de punição. “É um desperdício dessa experiência [obtida pelas varas especializadas]”, comentou.

TRE-PB promete celeridade

Apesar da preocupação expressada pelo porta-voz da Transparência Internacional, a desembargadora Maria de Fátima Bezerra Maranhão, presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB), disse que a Corte dará celeridade ao andamento dos processos da Operação Calvário e que aguarda apenas a publicação de um acórdão pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

De acordo com ela, o TRE-PB tem o objetivo de “cumprir a lei”, “de forma eficiente e de forma completa”. “Precisamos que tanto o primeiro grau quanto o segundo grau se debrucem nestes processos, para que haja a celeridade necessária que o povo quer, que a sociedade exige, e também, como hoje foi pronunciando, nos órgãos de informações, pelo doutor Octávio”, disse.

A desembargadora concordou que a demora processual no âmbito de medidas cautelares prejudica as partes envolvidas no processo e que “a demora no julgamento prejudica a sociedade. E o nosso dever como magistrados é dar respostas à sociedade”, opinou

Operação Calvário

A Operação Calvário investiga uma organização criminosa, no âmbito do Governo da Paraíba, que teria desviado R$ 134 milhões em recursos públicos, através de contratos com Organizações Sociais nas áreas da saúde e da educação, no período de 2011 a 2018.

Denúncias foram apresentadas pelo Ministério Público, mas uma série juízes de primeiro grau declarou “suspeição” e os investigados não foram sequer julgados.

Em junho do ano passado, o ministro Gilmar Mendes, do STF, já havia determinado que os processos da Calvário deveriam tramitar na Justiça Eleitoral, pelas supostas conexões com crimes eleitorais, mas o TRE-PB decidiu que não tinha competência para o julgamento.

No último dia 30 de novembro, o TSE decidiu que todos os processos relacionados à Operação serão julgados pela Justiça Eleitoral. O entendimento do relator Floriano de Azevedo Marques, seguido pelos demais ministros, por unanimidade, é que na denúncia apresentada pelo Ministério Público da Paraíba “há relações nas acusações com crimes eleitorais”.

Com esse entendimento, o TRE-PB acatou a decisão e dará prosseguimento à análise do caso.

Para Guilherme France, o caso da Operação Calvário, remetido para a Justiça Eleitoral, e outros exemplos, mostram que o Brasil vive um retrocesso no combate à corrupção.

Nós estamos vivendo um retrocesso, e isso a gente pode se referir tanto a uma redução do nível de investigações, de casos que são levados à Justiça e de punições aplicadas a pessoas e empresas condenadas por corrupção, a um retrocesso na diminuição das atividades e de resultados. E a gente vê, também, um retrocesso das normas gerais aplicadas no combate à corrupção, destacou Guilherme.